Desenvolvimento e avaliação de aplicativo móvel em infecções sexualmente transmissíveis
Development and evaluation of mobile application in sexually transmitted infections
Desarrollo y evaluación de aplicación móvil en infecciones de transmisión sexual
DOI: 10.59681/2175-4411.v17.2025.1186
Maria Eduarda Ferreira de Albuquerque
Residente em Enfermagem Obstétrica pela Escola de Saúde Pública da Paraíba
https://orcid.org/0000-0003-3806-3800
Larissa Genuíno Carneiro Martini
Universidade Federal de Campina Grande, Unidade Acadêmica de Enfermagem, Núcleo de Pesquisa em Saúde e Enfermagem
https://orcid.org/0000-0002-3911-0317
Sheila Milena Pessoa dos Santos
Universidade Federal de Campina Grande, Unidade Acadêmica de Enfermagem, Núcleo de Pesquisa em Saúde e Enfermagem
https://orcid.org/0000-0001-9396-9192
Erik Cristóvão Araújo de Melo
Universidade Federal de Campina Grande, Unidade Acadêmica de Enfermagem, Núcleo de Pesquisa em Saúde e Enfermagem
https://orcid.org/0000-0001-5200-3324
Inocêncio de Souza Ferraz Neto
Instituto Federal da Paraíba - Campus Monteiro
https://orcid.org/0000-0002-1873-1990
Juliana Andreia de Souza Fernandes
Universidade Federal de Campina Grande, Unidade Acadêmica de Enfermagem, Núcleo de Pesquisa em Saúde e Enfermagem
https://orcid.org/0000-0002-2990-7744
Eisenhawer de Moura Fernandes
Universidade Federal de Campina Grande, Unidade Acadêmica de Engenharia Elétrica, Laboratório de Instrumentação Eletrônica e Controle
https://orcid.org/0000-0002-5493-8737
Autor Correspondente: Maria Eduarda Ferreira de Albuquerque
Artigo recebido: 01/05/2024 | Aprovado: 09/04/2024
RESUMO
Objetivos: Desenvolver e avaliar a usabilidade de um aplicativo móvel para consulta clínica em infecções sexualmente transmissíveis. Métodos: Estudo metodológico para desenvolvimento e avaliação de usabilidade de uma tecnologia mHealth. O aplicativo seguiu as cinco fases da engenharia de software e utilizou linguagem Javascript. A usabilidade foi avaliada pelo System Usability Scale por enfermeiros e médicos da Estratégia Saúde da Família, Paraíba, Brasil, entre setembro de 2020 e julho de 2022. Resultados: O aplicativo funciona off-line, opera no sistema Android e possui quatro telas principais: menu, dados do paciente, diagnósticos e intervenções. Na avaliação de usabilidade, obteve score inferior de 77,5, médio de 92,5, superior de 100 e final de 91,92, indicando alta satisfação dos profissionais. Conclusão: O aplicativo ISTpro demonstrou alta inteligibilidade, apreensibilidade, operacionalidade e atratividade, destacando-se como ferramenta auxiliar na abordagem clínica de pessoas com IST. A utilização do aplicativo poderá contribuir para promover uma abordagem mais segura e mais eficiente no atendimento.
Descritores: Aplicativos Móveis; Infecções Sexualmente Transmissíveis; Tecnologia da Informação.
ABSTRACT
Objectives:< To develop and evaluate the usability of a mobile application for clinical consultation in sexually transmitted infections. <Methods:< Methodological study for the development and evaluation of the usability of an mHealth technology. The application followed the five phases of software engineering and used Javascript language. Usability was assessed using the System Usability Scale by nurses and physicians from the Family Health Strategy, Paraíba State, Brazil, between September 2020 and July 2022. <Results:< The app works offline, operates on the Android system, and has four main screens: menu, patient data, diagnoses, and interventions. In the usability evaluation, it obtained a lower score of 77.5, an average of 92.5, a higher score of 100 and a final score of 91.92, indicating high satisfaction of the professionals. <Conclusion:< The ISTpro app demonstrated high intelligibility, apprehensibility, operability and attractiveness standing out as an auxiliary tool in the clinical approach of people with STIs. The use of the application can contribute to promoting a safer and more efficient approach to care.
Keywords:< Mobile Applications; Sexually Transmitted Diseases; Information Technology.
RESUMEN
Objetivos: Desarrollar y evaluar la usabilidad de una aplicación móvil para la consulta clínica en infecciones de transmisión sexual. Métodos: Estudio metodológico para el desarrollo y evaluación de la usabilidad de una tecnología mHealth. La aplicación seguía las cinco fases de la ingeniería de software y utilizaba el lenguaje Javascript. La usabilidad fue evaluada mediante la Escala de Usabilidad del Sistema por enfermeros y médicos de la Estrategia Salud de la Familia, Estado de Paraíba, Brasil, entre septiembre de 2020 y julio de 2022. Resultados: La aplicación funciona sin conexión, funciona con el sistema Android y tiene cuatro pantallas principales: menú, datos del paciente, diagnósticos e intervenciones. En la evaluación de usabilidad, obtuvo una puntuación inferior de 77,5, una media de 92,5, una puntuación superior de 100 y una puntuación final de 91,92, lo que indica una alta satisfacción de los profesionales. Conclusión: La aplicación ISTpro demostró una alta inteligibilidad, aprehensibilidad, operatividad y atracttivo, destacándose como una herramienta auxiliar en el abordaje clínico de las personas con ITS. El uso de la aplicación puede contribuir a promover un enfoque más seguro y eficiente de la atención.
Descriptores: Aplicaciones Móviles; Tecnología de la Información; Enfermedades de Transmisión Sexual.
INTRODUÇÃO
As Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) são causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos, que são transmitidos por meio do contato sexual, seja oral, vaginal ou anal sem uso de preservativo, por transmissão vertical e por contato com mucosas e pele não íntegra contendo secreções contaminadas. As IST estão entre um dos problemas de maior impacto sobre a qualidade de vida e sobre os sistemas de saúde em decorrência de sua crescente incidência e prevalência(1).
Em âmbito mundial, estima-se que, a cada ano, 357 milhões de pessoas adoecem com uma das quatro IST mais frequentes: clamídia, gonorreia, sífilis e tricomoníase(2). No Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas contraíram IST no Brasil no ano de 2019(3), entretanto, não há notificação compulsória para todos os tipos, o que dificulta a determinação do número de casos, a visibilidade epidemiológica e a magnitude do problema.
No Brasil, o rastreamento, o diagnóstico e o tratamento para as IST são oferecidos gratuitamente no Sistema Único de Saúde, sendo efetuados, predominantemente, na Estratégia Saúde da Família. Dessa forma, cabe-se destacar como foco a realização de ações preconizadas nos protocolos clínicos nacionais, como testes rápidos, orientação centrada no usuário, oferta de preservativos, bem como, consulta clínica direcionada a saúde sexual e reprodutiva(1).
Apesar disso, identifica-se no cenário atual a baixa execução destas ações, principalmente devido aos atendimentos superficiais e incipientes, que dificultam o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno. Estudos identificaram lacunas na prática profissional para abordagem integral da saúde sexual e reprodutiva dos usuários, refletindo em um atendimento fragmentado que precisa ser aprimorado(3-4-5).
Frente à necessidade de fortalecimento dos cuidados em saúde, diferentes estudos têm proposto a utilização de tecnologia por dispositivos móveis (mHealth), como forma de facilitar a tomada de decisão dos profissionais de saúde e elevar a qualidade da assistência(6). Assim, a utilização da tecnologia mHealth ampliou-se na forma de aplicativos e, especificamente na área de saúde, o uso tem sido proposto para promover o acesso oportuno aos serviços de saúde, gerenciamento do atendimento ao paciente, aprimoramento do diagnóstico e melhoria da adesão ao tratamento (7-8).
Verificou-se a baixa disponibilidade dos aplicativos móveis relacionados às IST no Brasil. Institucionalmente, o Ministério da Saúde disponibiliza apenas seis aplicativos na página oficial do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, destes apenas um refere-se às IST, sendo os demais relativos ao HIV. O aplicativo intitulado Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para a Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (PCDT-IST), disponibiliza o documento na íntegra para consulta pelos profissionais(1). Estes aplicativos possuem a funcionalidade para busca de conteúdo, sinalização de favoritos e compartilhamento. Contudo, essas ferramentas colaboram como manual de bolso, mas não oferecem recursos para levantamento de informações, elaboração de diagnósticos e intervenções que auxiliem os profissionais para tomada de decisão com foco nas IST.
Nessa perspectiva, compreende-se a relevância da construção de uma ferramenta tecnológica do tipo mHealth, baseada em dados da anamnese, diagnóstico e intervenções para as IST, que auxiliem os profissionais de saúde na tomada de decisão frente ao usuário. Destaca-se que anteriormente à incorporação do aplicativo na prática clínica, é fundamental a avaliação da usabilidade, que é realizada por meio de testes para análise da interface, funcionalidade, qualidade e utilidade das informações(9).
Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo desenvolver e avaliar a usabilidade de um aplicativo móvel para consulta clínica em infecções sexualmente transmissíveis.
METODOLOGIA
Estudo metodológico para o desenvolvimento e avaliação de usabilidade de aplicativo móvel ISTpro.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande (HUAC/UFCG), sob CAAE 55162521.6.0000.5182 e parecer nº 5.317.600.
O aplicativo foi registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), com Certificado de Registro de Programa de Computador, Processo Nº: BR512023002822-3.
O desenvolvimento do aplicativo foi realizado a partir do modelo incremental, que seguiu as cinco fases de engenharia de software: comunicação, planejamento, modelagem, construção e emprego(10). Nas fases de comunicação e planejamento utilizou-se o gráfico de Gantt, que possibilitou representar o início e término de cada incremento. Na fase de modelagem, desenvolveu-se wireframes para representação das características e do comportamento do software. Na fase de construção, utilizou-se o React Native, que possui uma biblioteca da linguagem de programação Javascript, que viabilizou o desenvolvimento de um aplicativo intuitivo, prático, simples e seguro. Por fim, na fase de emprego, o aplicativo foi entregue ao usuário(a) para utilização, avaliação e feedback.
O desenvolvimento das fases, até a construção, ocorreu no período de setembro de 2020 a maio de 2022. A fase de emprego, focada na avaliação da usabilidade, foi realizada entre junho e julho de 2022.
Conforme as fases descritas, o aplicativo ISTpro foi desenvolvido a partir do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (PCDT-IST)(1) e objetiva auxiliar profissionais de saúde, enfermeiras/os e médicas/os, na atenção às pessoas com IST. Portanto, contém informações que direcionam a realização da anamnese, exame clínico, diagnóstico, tratamento e outras intervenções.
Em conformidade com padrões nacionais e internacionais, na fase de emprego, a avaliação de usabilidade foi considerada essencial para garantir que o software atendesse os usuários de forma eficiente e satisfatória. Para resultados representativos, adotou-se como o mínimo de oito participantes(9).
Os participantes foram profissionais vinculados às equipes da Estratégia Saúde da Família de um município do interior da Paraíba, Brasil. O procedimento para recrutamento foi realizado por meio da técnica de amostragem não probabilística em bola de neve(11), na qual o participante selecionado indica novos participantes da sua rede de conhecidos, tratando-se de uma amostra por conveniência. O contato foi realizado por meio de convite eletrônico, enviado por e-mail ou por aplicativo de mensagens (Whatsapp). Para os interessados, foi agendado um momento para testagem da usabilidade no local e horário de preferência.
Os critérios para inclusão dos participantes foram: ser enfermeira/o ou médica/o, atuante na Estratégia Saúde da Família (ESF) e com experiência na atenção às pessoas com IST. Como critérios de exclusão foram considerados: outras categorias profissionais atuantes na ESF, inaptidão para utilização de um aparelho smartphone e, consequentemente, manuseio do aplicativo a ser testado.
A testagem da usabilidade do aplicativo móvel realizada na fase de emprego utilizou a System Usability Scale (SUS)(12), que é estruturada em 10 itens, sendo os itens ímpares (1, 3, 5, 7 e 9) aspectos de concordância e os pares (2, 4, 6, 8 e 10) aspectos de discordância. Os itens avaliados estão dispostos no quadro 1 abaixo:
Quadro 1 - Instrumento System Usability Scale.
Itens |
DT |
D |
N |
C |
CP |
1.Eu usaria o aplicativo com frequência. |
|||||
2.Eu achei o aplicativo desnecessariamente complexo. |
|||||
3.Eu achei o aplicativo fácil de usar. |
|||||
4.Eu acho que precisaria de suporte técnico para aprender a usar o aplicativo. |
|||||
5.Eu acho que as várias funções do aplicativo foram bem integradas. |
|||||
6.Eu achei que houve muita inconsistência no aplicativo. |
|||||
7.Eu imagino que a maioria das pessoas aprenderá a usar o aplicativo rapidamente. |
|||||
8.Eu achei o aplicativo muito complicado de usar. |
|||||
9.Eu me senti muito seguro usando o aplicativo. |
|||||
10.Eu precisaria aprender muitas coisas antes que eu pudesse continuar a usar o aplicativo. |
Fonte: Lourenço DF, Carmona EV, Lopes MHBM, 2022(12).
Legenda: DT = Discordo Totalmente; D = Discordo; N = Neutro; C = Concordo; CP = Concordo Plenamente.
Para mensurar a avaliação obtida em cada item do SUS, foi utilizada uma escala Likert de 5 pontos: 1 - Discordo totalmente; 2 - Discordo; 3 - Neutro; 4 - Concordo; 5 - Concordo plenamente. Em cada um dos 10 itens do SUS, o participante marcava com um “X” a opção correspondente à escala Likert.
Para as questões ímpares (1, 3, 5, 7 e 9), que representam aspectos de concordância, foi subtraído 1 da pontuação dada pelo profissional a cada pergunta. Para as questões pares (2, 4, 6, 8 e 10), que comportam as discordâncias, foi subtraído 5 da pontuação dada por cada profissional em cada pergunta. Após quantificadas as questões, todas foram somadas e o valor será multiplicado por 2,5. Dessa forma, foi definido o valor médio, entre 0 e 100 pontos, obtido no SUS.
O instrumento possibilitou avaliar o cumprimento das seguintes exigências para avaliação da qualidade de um software(13): 1) Intelegibilidade, que mensura a facilidade de compreensão dos itens do aplicativo pelo usuário; 2) Apreensibilidade, que verifica a facilidade de aprendizado para o usuário; 3) Operacionalidade, que verifica a experiência do usuário e a facilidade ao manipular a ferramenta; e 4) Atratividade, que corresponde a capacidade do produto ser atraente ao usuário.
Para viabilizar a testagem foram dispostos três casos clínicos com dados fictícios com a finalidade de simular dados da anamnese e exame clínico de um paciente com IST. Um caso clínico foi escolhido aleatoriamente pelo participante para preenchimento e uso do aplicativo. Após usar o aplicativo, foi realizada com cada participante a testagem da usabilidade através do SUS.
Os dados coletados foram analisados e digitados no Microsoft Excel® para verificação das pontuações obtidas por cada participante no instrumento utilizado. A análise descritiva foi realizada por meio de frequência simples, medidas de tendência central (média e mediana), gráficos e tabelas.
RESULTADOS
O aplicativo funciona no modo off-line, necessita de 61,06 megabytes de armazenamento, opera em sistema Android e possui quatro telas principais, assim descritas: Menu, Dados do paciente, Diagnósticos e Intervenções. A tela menu encontra-se subdividida em mais cinco telas que contém informações sobre os desenvolvedores do aplicativo, meios de contatá-los, termos de segurança e privacidade e acesso ao download do manual PCDT-IST1 na íntegra. Na tela dados do paciente é possível preencher os dados coletados durante a anamnese e exame físico. Por sua vez, a tela de diagnóstico realiza o cruzamento entre os dados inseridos e os fluxogramas do PCDT-IST. Na tela de intervenções, encontram-se dispostas as intervenções agrupadas por subtipo, tais como tratamento, comunicação de parcerias, testagem, entre outras. As telas que compõem o aplicativo podem ser visualizadas na Figura 1 abaixo:
Figura 1 – Telas do aplicativo ISTpro – (A) Menu principal, (B) Dados do paciente, (C) Diagnóstico e (D) Intervenções.
Fonte: Autores, 2024.
O aplicativo móvel ISTpro possui logotipo original e personalizado, elaborado pelos autores, conforme Figura 2 abaixo:
Figura 2 – Logotipo do aplicativo ISTpro.
Fonte: Autores, 2024.
Participaram da avaliação de usabilidade do aplicativo ISTpro 13 profissionais de saúde, sendo 11 enfermeiros e dois médicos. Dentre esses, 100% eram do sexo feminino, com faixa etária entre 26 e 55 anos. O tempo de atuação na ESF variou entre 6 meses e 21 anos. Quanto à formação em treinamentos e cursos relacionados à saúde sexual e reprodutiva e IST/HIV, 12 participantes (92,3%) responderam que sim, obtiveram informações durante sua formação profissional, enquanto um (7,7%) declarou não ter tido acesso a esse tipo de formação.
A avaliação da usabilidade realizada pelos profissionais a partir dos casos clínicos permitiu a utilização de todas as telas do aplicativo.
Após a realização do cálculo de avaliação da usabilidade de cada participante, pôde-se analisar os scores obtidos, que estão descritos individualmente na tabela 1 abaixo:
Tabela 1 – Scores obtidos por cada participante na avaliação da usabilidade do aplicativo ISTpro.
PARTICIPANTE |
SCORE SUS |
1 |
90 pontos |
2 |
90 pontos |
3 |
92,5 pontos |
4 |
77,5 pontos |
5 |
95 pontos |
6 |
100 pontos |
7 |
87,5 pontos |
8 |
92,5 pontos |
9 |
85 pontos |
10 |
87,5 pontos |
11 |
97,5 pontos |
12 |
100 pontos |
13 |
100 pontos |
Fonte: Autores, 2024.
Pela análise estatística das respostas, obtidas mediante aplicação do questionário SUS, observou-se um score médio de 91,92, a moda 100 e a mediana 92,5 variando de 77,5 a 100 pontos.
De acordo com o grau de concordância encontrado nos itens do questionário SUS, evidenciou-se que os itens de concordância (números ímpares) obtiveram maior percentual de “concordo plenamente”, enquanto os itens de discordâncias (números pares), obtiveram maior percentual de “discordo totalmente”, conforme o Gráfico 1 abaixo:
Gráfico 1 – Resultado do teste de usabilidade do aplicativo “ISTpro” por profissionais Enfermeiros e Médicos quanto à adequação do software para uso na consulta clínica em IST.
Fonte: Autores, 2024.
Durante a realização da testagem de usabilidade, foram observadas dúvidas quanto às siglas de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e Profilaxia Pós-Exposição (PEP) ao HIV, sendo sanadas de imediato, conforme questionamento dos participantes. Além disso, alguns participantes não souberam diferenciar as opções de “Identidade de Gênero” e “Orientação Sexual”, necessitando realizar questionamentos durante o preenchimento da tela.
Foram realizadas sugestões para melhoria do aplicativo a respeito do arquivamento das informações do paciente, preenchidas na tela de anamnese, para que possam ser salvas, impressas e anexadas ao prontuário. Além disso, foi sugerida a retirada da variável de Úlceras Genitais (Observações) para o caso de Lesões Genitais com resposta “Ausente” e a retirada das variáveis de Corrimento (Quantidade), Corrimento (Cor), Corrimento (Aspecto) e Corrimento (Odor) para caso de Corrimento (Local) com resposta “Ausente”. Ainda, sugeriu-se que quando o paciente não apresentar nenhuma queixa, o diagnóstico deve constar como “IST Ausente”. Salienta-se que tais sugestões foram implementadas pelas pesquisadoras na versão final do aplicativo, exceto aquela relacionada ao arquivamento das informações devido a necessidade de proteção dos dados do paciente.
DISCUSSÃO
A incorporação de avanços tecnológicos na prática profissional em saúde possibilita oportunidades para melhora no desempenho de ações, apoio à tomada de decisões, além de representar um recurso que otimiza o processo de cuidado e avaliação, baseado em evidências adequadas(14). Sabe-se que quando bem elaboradas e utilizadas, as tecnologias transformam-se em ferramentas que trazem benefícios para a população e profissionais da saúde, tais como o acesso rápido dos usuários aos serviços, rapidez nos exames laboratoriais e de imagem, diagnóstico e tratamento de doenças(15).
Nessa perspectiva, especificamente para o desenvolvimento do aplicativo ISTpro, optou-se por incluir aspectos relacionados à dimensão biomédica. Assim, a partir de informações da anamnese, o aplicativo elabora um diagnóstico e sugere intervenções como a oferta de imunizações, testes rápidos e complementares, tratamentos, além de incluir ações de prevenção às populações-chave, pessoas vulneráveis e/ou pessoas com IST e suas parcerias sexuais, conforme protocolo nacional(1). Ressalta-se que as informações contempladas não restringem, mas oferecem o escopo de intervenções e auxiliam a tomada de decisão clínica pelo profissional enfermeiro ou médico. Essa contribuição pode preencher uma importante lacuna na atenção às pessoas com IST, uma vez que estudos que avaliaram a qualidade da assistência identificaram que os profissionais não realizavam as condutas preconizadas em protocolo clínico(16-17). Esses estudos identificaram que a anamnese ocorreu de maneira incipiente, enquanto o diagnóstico, o tratamento e o aconselhamento foram realizados de maneira incompleta ou não eram realizados. Dessa forma, compreende-se que o aplicativo elaborado a partir de interações baseadas em protocolos clínicos, incluindo avaliação, diagnóstico e tratamento, pode contribuir para minimizar erros na prescrição de cuidados e garantir a segurança do paciente.
No âmbito de avaliação dos aplicativos, um estudo evidenciou que aqueles sobre a prevenção e controle da sífilis (n=10) são em sua maioria no idioma inglês, havendo baixa aceitabilidade e sugerindo que a qualidade precisa ser melhorada(15). Resultados como este demonstram a importância de uma avaliação prévia quanto à usabilidade, funcionalidade e estética por parte dos profissionais de saúde antes dos aplicativos serem disponibilizados para download nas plataformas digitais, como ocorreu no presente estudo, a fim de entregar um aplicativo com informações pertinentes que auxiliem o profissional durante a consulta/atendimento.
Nesta perspectiva, a utilização do questionário SUS para mensurar a usabilidade de aplicativo ISTpro, mostrou-se eficiente e de fácil aplicação. Esclarece-se que o score SUS possui a variação de 0 a 100 pontos, sendo menor que 38,5 considerado ruim, entre 39 a 52,5 médio, entre 53 a 73,5 bom, entre 74 a 85,5 excelente e entre 86 a 100 melhor possível(12). No atual estudo, obteve-se um score SUS médio de 91,92 pontos para o aplicativo “ISTpro”, o que indicou uma avaliação satisfatória do aplicativo móvel. Este resultado corrobora outros estudos que também aplicaram o instrumento SUS, nos quais os score foram semelhantes ao encontrado no presente estudo(18-19).
Salienta-se que o uso de aplicativos móveis possibilita nortear a assistência de forma individualizada(6). Desse modo, verifica-se a importância da tecnologia ISTpro para apoio ao profissional de saúde, desde que possua boa aceitação. Além disso, o aplicativo ISTpro funciona em dispositivos de baixo custo (smartphones), constituindo uma ferramenta acessível para qualquer profissional nos serviços de atenção primária à saúde. Soma-se a esse aspecto, o fato do aplicativo ser em língua portuguesa e atender ao protocolo vigente para controle das IST na rede pública. Tais aspectos contribuem para o fortalecimento do uso de dispositivos e plataformas digitais no atendimento primário de saúde, pois o aplicativo desenvolvido incorpora dados da realidade local de atendimento, evitando o uso (download) de outros aplicativos em língua inglesa.
CONCLUSÃO
O estudo apresentou o desenvolvimento e a avaliação de usabilidade de um aplicativo para abordagem das pessoas com IST e apoio à tomada de decisão pelo profissional de saúde da rede pública brasileira. O aplicativo ISTpro dispõe de abas para anamnese, sugestão de diagnóstico e de intervenções para pessoa com IST.
O desenvolvimento do aplicativo ISTpro seguiu normas de engenharia de software e foi estruturado para atender aos requisitos nacionais e internacionais. O aplicativo obteve elevado índice de satisfação quanto à inteligibilidade, apreensibilidade, operacionalidade e atratividade, elementos essenciais para garantir a qualidade e a usabilidade de produtos tecnológicos.
Os usuários consideraram o aplicativo fácil de ser utilizado, útil, inovador, completo e com informações importantes. Dessa forma, pôde-se atingir o objetivo proposto pelo estudo e verificou-se a adequação do aplicativo como ferramenta auxiliar na consulta clínica em IST.
Como limitações, destaca-se a dificuldade de alguns profissionais em manusear aplicativos durante as atividades clínicas, assim como a disponibilidade do aplicativo apenas para o sistema operacional Android.
Sugere-se a realização de novos estudos de cunho tecnológico que busquem abranger a temática de IST no Brasil, a fim de promover maior oferta desse tipo de recurso, tendo em vista que a maioria dos aplicativos disponíveis nas plataformas digitais para download em português funcionam apenas como biblioteca de bolso e aqueles no idioma inglês refletem uma realidade cultural e epidemiológica distinta da realidade brasileira.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa da Paraíba (FAPESQ), Edital nº 010/2021 - FAPESQ/PB - MCTI/CNPQ, Programa de Infraestrutura para Jovens Pesquisadores / Programa Primeiros Projetos – PPP, pelo apoio financeiro ao projeto da pesquisa “Tecnologias em saúde para apoio a tomada de decisão em infecções sexualmente transmissíveis”, que originou o presente trabalho, e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo incentivo por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI).
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Como Citar
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