Sono e saúde mental: descobertas da mineração de dados
Sleep and mental health: discoveries from data mining
Sueño y salud mental: descubrimientos de la minería de datos
DOI: 10.59681/2175-4411.v17.2025.1237
Luiz Gustavo Camilo
Escola de Saúde Pública – Secretaria de Saúde de São José dos Pinhais, PR, Brasil.
https://orcid.org/0000-0001-5562-875X
Denilsen Carvalho Gomes
Escola de Saúde Pública – Secretaria de Saúde de São José dos Pinhais, PR, Brasil.
https://orcid.org/0000-0001-9555-2948
Deborah Ribeiro Carvalho
Universidade Federal do Paraná (UFPR), PR, Brasil.
https://orcid.org/0000-0002-9735-650X
Mauricio João Costacurta
Escola de Saúde Pública – Secretaria de Saúde de São José dos Pinhais, PR, Brasil.
https://orcid.org/0000-0003-2358-3213
Marcia Daniele Seima
Escola de Saúde Pública – Secretaria de Saúde de São José dos Pinhais, PR, Brasil.
https://orcid.org/0000-0002-7507-267X
Autor Correspondente: Denilsen Carvalho Gomes
Artigo recebido: 20/09/2024 | Aprovado: 06/07/2025
RESUMO
Objetivo: descrever características do sono dos pacientes de um centro de atenção psicossocial e identificar associações entre sono e variáveis do tratamento em saúde mental. Método: estudo transversal, descritivo, quantitativo. Participaram 41 pacientes, que realizavam tratamento em um município do sul do Brasil. Foram utilizados dois instrumentos: índice da qualidade de sono de Pittsburgh (PSQI) e questionário de informações pessoais. Os dados coletados foram organizados em planilha Excel®, sendo extraídas estatísticas descritivas e utilizando Mineração de dados para descoberta de regras. Resultados: 40 participantes (97,5%) apresentaram pontuações superiores a cinco, indicando má qualidade de sono, destes, 30 (73,1%) apresentaram pontuações maiores que dez, indicando níveis de qualidade do sono ainda menores. Na Mineração de dados, as regras gerais demonstram que as atividades realizadas no serviço estudado tendem não interferir nos distúrbios do sono. Conclusão: os índices de qualidade de sono obtidos indicam a necessidade de intervenção nos padrões de sono desta população. A realização de atividades em grupo, consultas psiquiátricas e o uso de medicações com efeito primário hipnótico, obtidos por meio do questionário de informações pessoais, não foram associados com diminuição na pontuação global do PSQI.
Descritores: qualidade do sono; transtornos mentais; mineração de dados.
ABSTRACT
Objective: to describe sleep characteristics of patients at a psychosocial care center and identify associations between sleep and mental health treatment variables. Method: cross-sectional, descriptive, quantitative study. The study included 41 patients undergoing treatment in a city in southern Brazil. Two instruments were used: the Pittsburgh Sleep Quality Index and a personal information questionnaire. The collected data were organized in an Excel® spreadsheet, with descriptive statistics extracted and Data Mining used to discover rules. Results: 40 participants (97.5%) had scores higher than five, indicating poor sleep quality; of these, 30 (73.1%) had scores higher than ten, indicating even lower levels of sleep quality. In data mining, the general rules demonstrate that the activities performed in the studied service tend not to interfere with sleep disorders. Conclusion: there is a need to include specific guidelines and activities to address sleep quality.
Descriptors: sleep quality; mental disorders; data mining.
RESUMEN
Objetivos: Analizar la percepción de pacientes con enfermedad renal crónica y sus familiares acerca de las aplicaciones mHealth. Métodos: Objetivo: describir las características del sueño de los pacientes de un centro de atención psicosocial e identificar asociaciones entre el sueño y variables de tratamiento de salud mental. Método: estudio transversal, descriptivo, cuantitativo. Participaron 41 pacientes, que se encontraban en tratamiento en una ciudad del sur de Brasil. Se utilizaron dos instrumentos: índice de calidad del sueño de Pittsburgh y cuestionario de información personal. Los datos recopilados se organizaron en una hoja de cálculo Excel®, extrayendo estadísticas descriptivas y utilizando minería de datos para descubrir reglas. Resultados: 40 participantes (97,5%) tuvieron puntuaciones superiores a cinco, lo que indica mala calidad del sueño, de estos, 30 (73,1%) tuvieron puntuaciones superiores a diez, lo que indica niveles aún más bajos de calidad del sueño. En la minería de datos, las reglas generales demuestran que las actividades realizadas en el servicio estudiado tienden a no interferir con los trastornos del sueño. Conclusión: es necesario incluir pautas y actividades específicas para abordar la calidad del sueño.
Descriptores: calidad del sueño; trastornos mentales; minería de datos.
INTRODUÇÃO
Apesar de não haver uma definição estabelecida sobre o sono, há ampla concordância quanto à caracterização do fenômeno como um estado comportamental e fisiológico ativo, que serve a diferentes funções biológicas, neurofisiológicas e homeostáticas no organismo(1,2). A privação de sono está vinculada a efeitos negativos no sistema nervoso central(3), na qualidade de vida(4) e em comportamentos cognitivos como o rendimento acadêmico, a recuperação de informações a longo prazo e a aprendizagem(5, 6-7).
As alterações da qualidade do sono, das quais a privação de sono é um exemplo, foram vinculadas a padrões comportamentais considerados patológicos ou a transtornos mentais. Depressão, irritabilidade e instabilidade emocional são algumas das condições vinculadas a essas alterações(1,8). O comportamento suicida também foi relacionado aos distúrbios do sono em diferentes ocasiões(9-10), sendo que diminuições da qualidade do sono, pesadelos e despertares após início do sono (perturbações do sono) foram considerados preditores de ideação suicida passiva e ativa(9). Além disso, melhorias na qualidade do sono estão relacionadas a efeitos positivos em índices de saúde mental(8).
Considerando a qualidade do sono na funcionalidade comportamental e neurofisiológica, assim como a relação de perturbações do sono e transtornos mentais, Gardner e colaboradores(11) avaliaram os hábitos de sono de pacientes diagnosticados com transtornos mentais em centros comunitários. Os resultados indicaram que 78,8% dos participantes apresentou má qualidade do sono de acordo com a pontuação do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI)(12). Estes resultados fortalecem a já afirmada correlação entre transtornos mentais e a má qualidade do sono.
No Brasil, os serviços de saúde que figuram como referência para o tratamento de pacientes diagnosticados com transtornos mentais são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)(13). Esse equipamento do Sistema Único de Saúde (SUS) se configura como um modelo comunitário de tratamento em saúde mental, procurando preservar os vínculos sociais do paciente(14). Espera-se, portanto, que as atividades desenvolvidas no CAPS contribuam, considerando a relação entre comportamentos considerados psicopatológicos e a qualidade do sono, para a melhora dos hábitos de sono dos indivíduos.
A identificação de associações entre as variáveis do tratamento em saúde mental e a qualidade do sono, em pacientes vinculados aos serviços de saúde, pode subsidiar a tomada de decisão quanto ao planejamento e implementação de estratégias que contribuam para a melhoria dos hábitos de sono.
Entre as estratégias a serem utilizadas para apoio à decisão na área de saúde, está a Mineração de dados, que consiste em uma das etapas do processo denominado de Knowledge Discovery in Database (KDD), o qual permite extrair conhecimento de base de dados pela identificação de padrões válidos, novos, potencialmente úteis e compreensíveis(15). Estudos têm utilizado a Mineração de dados na área de saúde como alternativa para melhor aproveitar o potencial dos dados disponíveis para apoio à decisão(16,17).
Assim, o presente estudo possui como questões norteadoras: quais as características do sono dos pacientes de um CAPS? E quais as associações entre o sono e as variáveis do tratamento em saúde mental? O objetivo do estudo pauta-se em descrever características do sono dos pacientes de um CAPS e identificar associações entre o sono e as variáveis referentes ao tratamento em saúde mental a partir da Mineração de dados.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, descritivo e de abordagem quantitativa. Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos, que realizavam tratamento em saúde mental em um CAPS de um município do sul do Brasil. Foram excluídos pacientes impossibilitados para a resposta aos questionários, a exemplo de pacientes com limitações cognitivas. Essa situação foi sinalizada pelos técnicos de referência, baseada na avaliação realizada durante os atendimentos. Um quantitativo de 41 pacientes participou do estudo.
Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos de autorrelato.
Instrumento 1 – Índice da qualidade de sono de Pittsburgh (PSQI)(12), validado para o português brasileiro por Bertolazi e colaboradores(18). Trata-se de um questionário autorrespondido, destinado a avaliar a qualidade e problemas de sono, considerando o período de 30 dias. É composto por 19 tópicos, organizado em sete componentes que se referem à qualidade subjetiva do sono (componente 1), latência do sono (componente 2), duração do sono (componente 3), eficiência do sono (componente 4), alterações do sono (componente 5), uso de medicamentos para dormir (componente 6) e disfunção diurna (componente 7). Cada componente fornece uma pontuação entre 0, associada a uma boa qualidade de sono no componente, e 3, associada à má qualidade do sono. A soma dos componentes gera a pontuação global entre 0 e 21 pontos. Pontuações globais >= 5 representam má qualidade do sono, sendo que pontuações maiores que 10 sugerem distúrbio do sono.
Instrumento 2 – Questionário de informações pessoais, elaborado pelos autores, com questões referentes ao tempo e frequência do tratamento; atividades realizadas no CAPS (atendimentos em grupo, atendimentos psicológicos individuais e consultas psiquiátricas); e medicações utilizadas. Esse questionário teve por objetivo caracterizar variáveis do tratamento realizado pelos participantes (pacientes do CAPS) e de sua sintomatologia, complementando a análise do padrão de sono.
Os participantes foram abordados durante três diferentes momentos da rotina de atividades no tratamento fornecido pelo CAPS: antes do início de grupos terapêuticos, após o término de grupos terapêuticos, e após as consultas psiquiátricas. Em todos estes momentos, houve a concordância dos profissionais responsáveis pela atividade para o convite dos participantes.
Os pacientes foram convidados a participar a partir do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo realizada leitura conjunta em caso de dúvidas ou solicitações. Depois da concordância do TCLE, os questionários foram entregues aos participantes. Ressalta-se que o pesquisador principal esteve presente durante todo o período de coleta de dados, auxiliando os participantes em casos de dúvidas no preenchimento dos questionários.
Os dados coletados a partir dos questionários foram organizados em planilha do Microsoft Excel®. Posteriormente, foram extraídas estatísticas descritivas por meio do SPSS e descobertas regras de associação (se <A> então <C>) e respectivas eventuais exceções (se <A> e <B> então Não <C>) por meio do algoritmo de Mineração de dados – Apriori(19). A partir do algoritmo Apriori, foram descobertas aproximadamente 450.000 regras de associação e respectivas situações de exceção, sendo analisadas pelos pesquisadores aquelas que apresentaram como consequente <qualidade do sono>. Para cada regra foi adotada a probabilidade para a avaliação: (se <A> então <C> P(A), P(AC)).
Foi adotada a descoberta de regras de associação e as respectivas situações de exceção para oportunizar a identificação de situações novas e surpreendentes, que possam apoiar o processo decisório(20).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria de Saúde de São José dos Pinhais, sob o parecer 6.087.743, CAAE 68707823.3.0000.9587.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A média da pontuação global obtida entre os 41 respondentes do PSQI foi de 12,76, variando entre 4 e 21 pontos. Um dos participantes, com a pontuação de 4, teve sua qualidade de sono classificada como “Boa” de acordo com os critérios de correção do questionário. Os outros 40 participantes (97,5%) apresentaram pontuações superiores a 5, indicando má qualidade de sono. Um total de 30 (73,1%) dos respondentes apresentaram pontuações maiores que 10, indicando níveis de qualidade do sono ainda menores (distúrbio do sono). Tais resultados corroboram com estudo realizado em 2021(11), no qual foi identificado um quantitativo de 33 participantes (78,8%) apresentando má qualidade do sono. Estes resultados apoiam a relação entre a má qualidade do sono e os transtornos mentais, observada na literatura, pois indicam que indivíduos que apresentam comportamentos característicos destes transtornos possuem tendência a apresentar problemas de sono(8,10).
Na Tabela 1 estão representados os resultados das pontuações (0 a 3) de cada um dos componentes que integram a pontuação global do PSQI.
Tabela 1. Frequências absoluta e relativa das respostas obtidas, segundo os componentes do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI) (n=41).
Componente – nome |
0 |
1 |
2 |
3 |
|||
C1 – Qualidade subjetiva do sono |
4 (9,8%) |
12 (29,3%) |
13 (31,7%) |
12 (29,3%) |
|||
C2 – Latência do sono |
2 (4,9%) |
4 (9,8%) |
13 (31,7%) |
22 (53,7%) |
|||
C3 – Duração do sono |
19 (46,3%) |
5 (12,12%) |
6 (14,6%) |
11 (26,8%) |
|||
C4 – Eficiência do sono |
17 (41,5%) |
6 (14,6%) |
5 (12,2%) |
13 (31,7%) |
|||
C5 – Distúrbios do sono |
1 (2,4%) |
10 (24,4%) |
18 (43,9%) |
12 (29,3%) |
|||
C6 – Uso de medicação para dormir |
6 (14,6%) |
3 (7,3%) |
9 (22,0%) |
23 (56,1%) |
|||
C7 – Sonolência e disfunção diurnas |
4 (9,8%) |
6 (14,6%) |
23 (56,1%) |
8 (19,5%) |
Nota: C1 = Componente 1; C2 = Componente 2; C3 = Componente 3; C4 = Componente 4; C5 = Componente 5; C6 = Componente 6; C7 = Componente 7.
Fonte: dados da pesquisa, 2024.
Nota-se que 25 participantes (61%) classificaram a própria qualidade do sono (C1) como “Ruim” ou “Muito Ruim”, demonstrado pelas pontuações dois e três neste componente. Isso significa que a maior parte dos participantes avalia mal o próprio sono e o considera insuficiente.
Quanto à latência do sono (C2), 22 participantes (53,7%) pontuaram 3, indicando uma correlação entre tempo elevado para início do sono – mais de 60 minutos – e alta frequência de ocorrência desta latência – 3 ou mais vezes por semana. Tais dados remetem à discussão sobre a dificuldade de iniciar o sono pelos pacientes entrevistados, podendo indicar má higiene do sono(2) e, desta forma, intervenções voltadas aos hábitos de sono podem ser relevantes para esta população.
Considerando a duração do sono (C3), 11 participantes (26,8%) relataram dormir menos que 5 horas por noite, obtendo escore 3 no componente e caracterizando sono insuficiente de acordo com as recomendações da National Sleep Foundation(21). Um total de 19 participantes (46,3%) reportou dormir 7 ou mais horas de sono por noite (pontuação de 0 em C3). Isso novamente corrobora achados anteriores(11), nos quais 22 participantes relataram dormir 7 horas ou mais. Segundo os autores, a aparente discrepância entre os escores de duração de sono (C3) e a pontuação global do PSQI pode ser explicada pela multideterminação do sono, que depende de diferentes variáveis que podem influenciar negativamente sua qualidade, como é exemplificado pelos resultados de C5.
Em C5 nota-se que 18 respondentes (43,9%) pontuaram 2 e 12 (29,3%) pontuaram 3. Tais índices indicam taxas elevadas (73,2%) de pacientes que sofrem de forma frequente com perturbações que afetam a qualidade do sono, a exemplo de roncos, dores, despertares noturnos, pesadelos, calor ou frio excessivo. Estes resultados podem contribuir para as pontuações globais elevadas do PSQI na amostra pesquisada.
Um total de 23 participantes (56,1%) reportou realizar uso de medicações para dormir três ou mais vezes por semana ao longo do mês anterior à aplicação do instrumento (frequência representada pela pontuação de 3 em C6). Tais taxas parecem elevadas, principalmente considerando a preconização de tratamentos comportamentais para a insônia(22) e a perspectiva psicossocial preconizada para os CAPS no Brasil(13).
Um total de 31 (75,6%) dos participantes obteve pontuações entre 2 e 3 em C7 referente aos níveis de disfunção diurna. Essas taxas elevadas, quando analisadas junto às pontuações globais do PSQI, indicam uma correlação entre a qualidade geral do sono e o funcionamento diurno. Tal correlação foi amplamente indicada na literatura(1,2).
No Quadro 1 são apresentados os resultados da Mineração de dados referentes ao PSQI em relação às variáveis do tratamento em saúde mental no CAPS estudado.
Quadro 1. Regras gerais e regras de exceção quanto às participações em atividades em grupo, consultas psiquiátricas e pontuações no PSQI, e leitura das regras.
Número |
Regra |
Leitura da regra |
Regra geral 1 |
SE Atividades grupo= Sim ENTÃO Desfecho PSQI= Distúrbio do sono (87.8%, 72.2%) |
87,8% dos entrevistados participou de atividades em grupo. Destes, 72,2% pontuou mais que 10 no PSQI (distúrbio do sono). |
Regra geral 2 |
SE Consultas psiquiátricas= Sim ENTÃO Desfecho PSQI= Distúrbio do sono (80.5%, 69.7%) |
80,5% dos participantes realiza consultas psiquiátricas. Deste, 69,7% obteve mais que 10 pontos no PSQI (distúrbio do sono). |
Regra de exceção 2.1 |
SE Consultas psiquiátricas= Sim E PSQIC3= 0 ENTÃO Desfecho PSQI= Ruim (39.0%, 56.3%) |
39% dos participantes realiza consultas psiquiátricas e pontuou 0 em C3. Destes, 56,3% obteve entre 5 e 10 (desfecho ruim) no PSQI. |
Regra de exceção 2.2 |
SE Consultas psiquiátricas= Sim E PSQIC4= 0 ENTÃO Desfecho PSQI= Ruim (36.6%, 60.0%) |
36,6% dos participantes realiza consultas psiquiátricas e pontuou 0 em C4. Destes, 60% obteve entre 5 e 10 (desfecho ruim) no PSQI. |
Regra de exceção 2.3 |
SE Consultas psiquiátricas= Sim E PSQIC6= 0 ENTÃO Desfecho PSQI= Ruim (12.2%, 60.0%) |
12,12% dos participantes realiza consultas psiquiátricas e pontuou 0 em C6. Destes, 60% obteve entre 5 e 10 (desfecho ruim) no PSQI. |
Fonte: dados da pesquisa, 2024.
As regras gerais demonstram que as atividades realizadas no CAPS tendem a não interferir nos distúrbios do sono apresentados pelos pacientes. Esta configuração pode indicar a necessidade de abordagens específicas para os distúrbios de sono ou uma revisão das intervenções já aplicadas. Uma importante alternativa de tratamento é a Terapia Cognitivo-comportamental para Insônia (TCC-I), a qual se utiliza de técnicas destinadas a realizar mudanças em fatores comportamentais e cognitivos, a exemplo do controle de estímulos e das alterações de crenças disfuncionais relacionadas ao sono(23).
Os resultados sugerem, ainda, que as consultas psiquiátricas, enquanto atividades terapêuticas, estão associadas a pontuações maiores que 10 no PSQI. Este efeito parece diminuir, no entanto, quando a atividade é correlacionada com a melhoria de características específicas do padrão de sono (neste caso, a duração – C3, e a eficiência – C4). Novamente, a melhora de características específicas do sono, as quais podem ser abordadas por meio de intervenções não farmacológicas, parece correlacionar-se à melhora da qualidade do sono(22). O tratamento com a TCC-I pode ser considerado seguro aos pacientes e com resultados mais duráveis, quando comparado a opções de farmacoterapia(24). Além disso, considerando a característica psicossocial do CAPS, espera-se que haja ênfase em métodos e técnicas de tratamento que favoreçam a autonomia do usuário. A TCC-I, além de viabilizar o automonitoramento dos problemas de sono por meio de registros comportamentais, fornece a possibilidade de acompanhamento do paciente em seus problemas de sono e na relação desses com os demais comportamentos apresentados. O uso de terapias não farmacológicas para a insônia, portanto, alinha-se à perspectiva da Rede de Atenção Psicossocial.
Dentre os 41 participantes da pesquisa, 40 (97,56%), considerando uma abstenção, reportaram usar regularmente ao menos um fármaco psicotrópico. A média da quantidade de medicações foi de 2,67, com um mínimo de 1 e um máximo de 6 fármacos distintos por participante.
Estes dados, assim como aqueles obtidos no PSQI, sugerem o uso recorrente da farmacoterapia como possível tratamento para transtornos mentais, incluindo distúrbios do sono (ver componente 6 do PSQI), na instituição pesquisada. No caso das perturbações do sono, o que inclui problemas para iniciá-lo e mantê-lo, podem ser incluídos junto a esta abordagem os tratamentos comportamentais, a exemplo da TCC-I(22).
No Quadro 2 estão representadas as regras referentes à utilização ou não de fármacos com efeito primário hipnótico.
Quadro 2. Regras gerais e regras de exceção quanto à utilização ou não de fármacos com efeito primário hipnótico.
Número |
Regra |
Leitura da regra |
Regra geral 3 |
SE utilização de drogas com efeito primário hipnótico= Sim ENTÃO Desfecho PSQI= Distúrbio do sono (48.8%, 70.0%) |
48,8% dos participantes utiliza drogas com efeito primário hipnótico. Destes, 70,0% pontuou mais que 10 pontos no PSQI (distúrbio do sono). |
Regra de exceção 3.1 |
SE utilização de drogas com efeito primário hipnótico= Sim E PSQIC3= 0 ENTÃO Desfecho PSQI= Ruim (19.5%, 62.5%) |
19,5% dos participantes utiliza drogas com efeito primário hipnótico e pontuou 0 em C3. Destes, 62,5% pontuou entre 5 e 10 pontos no PSQI (desfecho ruim). |
Regra de exceção 3.2 |
SE utilização de drogas com efeito primário hipnótico= Sim E PSQIC4= 0 ENTÃO Desfecho PSQI= Ruim (24.4%, 50.0%) |
24,4% dos participantes utiliza drogas com efeito primário hipnótico e pontuou 0 em C4. Destes, 50% pontuou entre 5 e 10 no PSQI (desfecho ruim). |
Regra de exceção 3.3 |
SE utilização de drogas com efeito primário hipnótico= Sim E PSQIC5= 1 ENTÃO Desfecho PSQI= Ruim (14.6%, 66.7%) |
14,6% dos participantes utiliza drogas com efeito primário hipnótico e pontuou 1 em C5. Destes, 66,7% pontuou entre 5 e 10 no PSQI (desfecho ruim). |
Regra geral 4 |
SE utilização de drogas com efeito primário hipnótico= Não ENTÃO Desfecho PSQI= Distúrbio do sono (48.8%, 75.0%) |
48,8% dos participantes não utiliza drogas com efeito primário hipnótico. Destes, 75,0% pontuou mais que 10 pontos no PSQI (distúrbio do sono). |
Regra de exceção 4.1 |
SE utilização de drogas com efeito primário hipnótico= Não E PSQIC4= 0 ENTÃO Desfecho PSQI= Ruim (17.1%, 57.1%) |
17,1% dos participantes não utiliza drogas com efeito primário hipnótico e pontuou 0 em C4. Destes, 57,1% pontuou entre 5 e 10 pontos no PSQI (desfecho ruim). |
Regra de exceção 4.2 |
SE utilização de drogas com efeito primário hipnótico= Não E PSQIC5= 1 ENTÃO Desfecho PSQI= Ruim (9.8%, 100.0%) |
9,8% dos participantes não utiliza drogas com efeito primário hipnótico e pontuou 1 em C5. Destes, 100% pontuou entre 5 e 10 no PSQI (desfecho ruim). |
Regra geral 5 |
SE utilização de Benzodiazepínicos= Sim ENTÃO Desfecho PSQI= Distúrbio do sono (39.0%, 87.5%) |
39,0% dos participantes utiliza Benzodiazepínicos. Destes, 87,5%, obteve mais que 10 pontos no PSQI (distúrbio do sono). |
Fonte: dados da pesquisa, 2024.
Nota-se que, dentre os participantes que utilizam fármacos com efeito hipnótico entre seus efeitos primários (48,8%), 70% obteve mais que 10 pontos no PSQI. Tais taxas são similares para os participantes que não utilizam fármacos com efeito principal hipnótico, dentre os quais, 75% pontuou mais que 10 no PSQI. Estes achados não apontam diferenças na qualidade do sono entre os participantes que utilizam ou não fármacos psicotrópicos que possuem efeito primário hipnótico, quando considerada a pontuação global do PSQI. De forma similar ao observado quanto aos tratamentos em grupo, nota-se que o uso de tratamentos farmacológicos não produz mudanças na qualidade do sono dos pacientes pesquisados.
Em ambos os casos, pontuações menores em determinados componentes do PSQI (C3, C4 e C5 para os pacientes que utilizam fármacos com efeito hipnótico principal e C4 e C5 para os pacientes que não os utilizam) estão associados com diminuições na pontuação global do instrumento.
A Regra de exceção 3.1, por exemplo, remete à discussão de que indivíduos que declararam dormir mais que 7 horas por noite e usam fármacos com efeito hipnótico principal podem ter melhor qualidade de sono. É possível que haja, portanto, certa relação entre duração do sono, uso de fármacos com efeito primário hipnótico e melhor qualidade do sono.
Efeitos parecidos foram observados em C4 (referente à eficiência do sono – razão entre tempo dormindo e tempo na cama) e C5 (referente aos distúrbios do sono, como roncos e despertares noturnos), com diminuições nas pontuações observadas tanto em pacientes que utilizam fármacos com efeito hipnótico principal, como entre aqueles que não o fazem. Isso pode reforçar a necessidade de intervenções comportamentais, como a higiene do sono, capaz de contribuir com características como latência e eficiência do sono, no caso de despertares noturnos(2).
Considerando os tipos específicos de fármacos utilizados pelos participantes, é possível identificar associações entre o uso dos benzodiazepínicos e pontuações maiores que 10 no PSQI.
CONCLUSÃO
A presente pesquisa buscou descrever características do sono dos pacientes de um CAPS e identificar associações entre o sono e variáveis do tratamento em saúde mental.
As medidas de qualidade de sono obtidas com o PSQI indicam a necessidade de intervenção nos padrões de sono desta população, considerando as pontuações que indicam má qualidade de sono e aquelas maiores que 10, significando a possibilidade de distúrbios do sono ainda mais graves.
A realização de atividades em grupo, consultas psiquiátricas e o uso de medicações com efeito primário hipnótico não foram associados com diminuições na pontuação global do PSQI. Estes achados podem indicar a necessidade de inclusão de orientações e atividades específicas para abordagem à qualidade do sono. Neste sentido, a TCC-I figura como alternativa relevante, já que, além de alinhada aos princípios de aumento da autonomia e diminuição da medicalização, preconizados pela Rede de Atenção Psicossocial, é recomendada como o primeiro tratamento aos transtornos do sono, como a insônia.
A Mineração de dados colaborou para identificação de associações entre o sono e as variáveis referentes ao tratamento em saúde mental, apoiando o processo decisório no contexto estudado.
O presente estudo apresenta limitações. Variáveis como sexo, idade e tempo de tratamento podem ter influência sobre os resultados. O tamanho da amostra e a exploração de apenas uma instituição impede generalizações sobre os achados.
REFERÊNCIAS
1.Fountoulakis KN, Nimatoudis I. Psychobiology of Behaviour. Springer eBooks. Springer Nature, 2019.
2.Blampied NM, Bootzin RR. Sleep: A behavioral account. APA handbook of behavior analysis, vol 2: Translating principles into practice. 2013, 425–53.
3.Vyazovskiy VV, Cirelli C, Pfister-Genskow M, Faraguna U, Tononi G. Molecular and electrophysiological evidence for net synaptic potentiation in wake and depression in sleep. Nature Neuroscience [Internet]. 2008 Jan 20;11(2):200–8. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18204445/.
4.Matsui K, Yoshiike T, Nagao K, Utsumi T, Tsuru A, Otsuki R, et al. Association of Subjective Quality and Quantity of Sleep with Quality of Life among a General Population. International Journal of Environmental Research and Public Health [Internet]. 2021 Dec 6;18(23):12835. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34886562/.
5.Zimmerman ME, Benasi G, Hale C, Yeung L, Cochran J, Brickman AM, et al. The effects of insufficient sleep and adequate sleep on cognitive function in healthy adults. Sleep Health [Internet]. 2024 Jan 1;10(2). Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38233280/.
6.Lowe CJ, Safati A, Hall PA. The neurocognitive consequences of sleep restriction: A meta-analytic review. Neuroscience & Biobehavioral Reviews [Internet]. 2017 Sep;80:586–604. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28757454/.
7.Estevan I, Sardi R, Tejera AC, Silva A, Tassino B. Should I study or should I go (to sleep)? The influence of test schedule on the sleep behavior of undergraduates and its association with performance. PLOS ONE [Internet]. 2021 Mar 10;16(3):e0247104. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7946303/.
8.Scott AJ, Webb TL, Martyn-St James M, Rowse G, Weich S. Improving sleep quality leads to better mental health: A meta-analysis of randomised controlled trials. Sleep Medicine Reviews [Internet]. 2021 Dec;60(101556):101556. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8651630/.
9.Cox RC, Brown SL, Chalmers BN, Scott LN. Examining sleep disturbance components as near-term predictors of suicide ideation in daily life. Psychiatry Research [Internet]. 2023 Aug 326:115323. Available from: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10527974/.
10.Liu RT, Steele SJ, Hamilton JL, Do QBP, Furbish K, Burke TA, et al. Sleep and suicide: A systematic review and meta-analysis of longitudinal studies. Clinical Psychology Review [Internet]. 2020 Nov1;81:101895. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0272735820300830#ab0005.
11. Gardner J, Swarbrick M, Dennis S, Franklin M, Pricken M, Palmer K. Sleep Habits and Routines of Individuals Diagnosed with Mental and/or Substance-Use Disorders. Occupational Therapy in Mental Health [Internet]. 2021 Feb 15;1–20.
12.Buysse DJ, Reynolds CF, Monk TH, Berman SR, Kupfer DJ. The Pittsburgh sleep quality index: A new instrument for psychiatric practice and research. Psychiatry Research. 1989 May;28(2):193–213.
13.Brasil. Portaria nº 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). 2011. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html. Acesso em: 16 set. 2024.
14.Sampaio ML, Bispo Júnior JP. Entre o enclausuramento e a desinstitucionalização: a trajetória da saúde mental no Brasil. Trabalho, Educação e Saúde [Internet]. 2021 Jan;19. Available from: https://www.scielo.br/pdf/tes/v19/1981-7746-tes-19-e00313145.pdf.
15.Fayyad UM, Piatetsky-Shapiro G, Smyth P, Uthurusamy R. Advances in knowledge discovery and data mining. American Association for Artificial Intelligence. Menlo Park: MIT Press, 1996.
16.Sartorelli AP, Gomes DC, Cubas MR, Carvalho DR. Fatores que contribuem para a mortalidade infantil utilizando a mineração de dados. Saúde e Pesquisa [Internet]. 2017 Jul 21;10(1):33. Disponível em: https://doi.org/10.17765/1983-1870.2017v10n1p33-41.
17.Gomes DC, Carvalho DR, Cubas MR, Shmeil MAH. Mineração de Dados no Serviço de Atendimento de Urgências. Journal of Health Informatics [Internet]. 2014 Dec 17; 6(4). Available from: https://jhi.sbis.org.br/index.php/jhi-sbis/article/view/302.
18.Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, da Silva Miozzo IC, de Barba MEF, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Medicine [Internet]. 2011 Jan;12(1):70–5. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21145786/.
19.Borgelt C. Apriori – Association Rule Induction. 2002. Disponível em: http://www.borgelt.net/apriori.html.
20.Hussain F, Liu H, Lu H. Exception rule mining with a relative interestingness measure. Lecture notes in Artificial Intelligence 2000; 1805:86-97.
21.National Sleep Foundation. How Much Sleep Do You Really Need? [Internet]. National Sleep Foundation. 2020. Available from: https://www.thensf.org/how-many-hours-of-sleep-do-you-really-need/.
22.Zhang Y, Ren R, Yang L, Zhang H, Shi Y, Shi J, et al. Comparative efficacy and acceptability of psychotherapies, pharmacotherapies, and their combination for the treatment of adult insomnia: A systematic review and network meta-analysis. Sleep Medicine Reviews [Internet]. 2022 Oct; 65:101687. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36027795/.
23.Barlow DH. Clinical handbook of psychological disorders: A step-by-step treatment manual. 6th ed. New York: The Guilford Press; 2021.
24.Rios P, Cardoso R, Morra D, Nincic V, Goodarzi Z, Farah B, et al. Comparative effectiveness and safety of pharmacological and non-pharmacological interventions for insomnia: an overview of reviews. Systematic Reviews [Internet]. 2019 Nov; 15; 8(281). Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6857325/.